Quarto da Bagunça
Ai!!! – Gritou Alessandra, lá da garagem.
- Que foi? – achou melhor perguntar sem ir até ela, pois caso fosse até a garagem não teria mais chance de achar as velhas revistinhas no empoeirado armário do quarto da bagunça. – Ta tudo bem amor?
- Tô bem... – a voz dela demonstrava sua indignação. Por alguns segundos Eduardo avaliou se deveria ir até lá... – foi só aquela caixa pesada que caiu no meu pé... - resmungou Alessandra.
- Calma amor, vou já-já aí. Preciso achar uns documentos velhos aqui.
- Hum, sei. – ela estava ficando impaciente. – Você consertou o chuveiro?
Pergunta traiçoeira. Ele não teve tempo, chegou tarde do trabalho na sexta. Se conseguisse fugir dessa poderia estar com as revistas a salvo em sua gaveta no criado-mudo, tirando-as do limbo que era o quarto da bagunça. Ademais, tinha esperanças de ir jogar futebol mais tarde. Um passo em falso e passaria o resto do sábado arrumando o chuveiro e todas possíveis conseqüências de não saber arrumar bem o encanamento do banheiro...
- Ah, já amor eu estava....autch! – O barulho da queda fez Alê correr rapidamente para o quarto onde Eduardo estava.
- Dado???? Dado? – ela tranqüilizou-se a ver a cena do quarto. Além da bagunça natural do quartinho, Eduardo caído com a escada em meio às caixas e edredons guardados desde julho passado. Entre papéis e caixas estava Eduardo com uma foto em mãos. Parecia absorto em pensamentos distantes, não choramingava pela queda, como o teria feito normalmente. - Amor?
Sorriu. Mostrou a foto de alguns jovens gargalhando com uma cachoeira ao fundo.
- Oh... faz tanto tempo que não vemos essas fotos...não eram da máquina do Marcel?
- Eram sim. Têm muitas outras nessa caixa, da época da faculdade. E tem uma carta junto. - Alê passou o olho por mais umas duas fotos, onde eles e outros jovens sorriam. Após um estranho silêncio, pegou a carta feita em papel de caderno e começou a ler.
- “Duca, estou levando emprestados alguns de seus gibis para Recife. Sei que você vai pirar quando abrir essa caixa, mas em troca deixarei algumas lembranças nossas. Foi muito bom dividir o quarto tanto tempo e acredito que você vai estar tão ocupado com a mudança para a casa nova que vai acabar os guardando nessa caixa mesmo. Pense nesse “empréstimo” como um favor, já que a Alê não vai querer que você guarde revistinhas tão antigas. De qualquer forma, quando abrir essa caixa pode me ligar na hora. Estarei esperando sua visita para devolvê-las. Minha mudança já foi semana passada e tenho que pegar a estrada agora cedo, pois nunca viajei tanta estrada de moto. Não fique chateado por não lhe acordar para nos despedirmos, mas você e a Alê ainda estão dormindo. Como já disse para todos vocês, sempre quis ser o primeiro dos quatro a ir embora, por ter medo de ter que fechar o apê sozinho. Como o Adriano já foi ontem, deixo minha chave para você e o Rui. Abraços amigão, nos vemos no casório.” – fez-se algum silencio entre os dois. – Você nunca tinha aberto essas caixas?
- Não. Elas ficaram aí, guardadas. Sempre deixei para depois...tanta coisa a se fazer... – um silêncio desconfortável. Eduardo estava emocionado. Alessandra apertou sua mão.
- Mas vocês se viram mais uma vez, na nossa festa... lembra?
- Lembro... – Eduardo olhava para a bagunça ao redor deles, como quem quisesses procurar algo mais – mais era tanta gente... eu lembro que ele cobrou uma visita, mas depois tive que assumir a empresa... e pensar que ele foi nosso padrinho...mas parando para pensar agora conversamos tão pouco daquela vez... – os dois se abraçaram. Uma nuvem deve ter coberto o sol do meio da tarde, diminuindo a claridade do quarto. – Lembra que no discurso dele ele falou algo sobre as revistas em quadrinhos? E-eu nunca o visitei antes do acidente...
- Sim, eu lembro. Ele devia achar que você já tinha encontrado. Alessandra olhava pro rosto do seu marido bem de perto.
- Eu nunca os emprestei pra ele.
- Eu sei.
- Ele gostava de gibis.
- Eu sei.
- Eu tenho saudades.
- Eu sei.
- Me abraça forte agora...
By Doutor Estranho
Nenhum comentário:
Postar um comentário