sexta-feira, abril 11, 2008

Manhã de persiana

Apoiando seu rosto nos braços, ele deita de bruços na cama. Observa as faixas de luz do sol, o pouco que adentra ao quarto, iluminar o corpo dela. Ele já se decidiu. Vai abandoná-la hoje. Ela está sentada, abraçando seus joelhos. Observa os próprios pés, concentrada. Ele a odeia. Sente-se culpado por ainda estar com ela.

Ela pega um esmalte, naquele tom que tanto adora e com toda a compenetração que tem começa a enfeitar-se. Ele observa o rosto de criança e seus olhos coloridos. Algo nela despertou seu interesse logo que a conheceu, mas hoje ele considera aquele momento algo muito remoto. Ela ajeita o cabelo atrás da orelha e volta a pintar-se.

Nunca pensou que ela pudesse ser tão cruel. Nunca pensou que alguém podia, de forma tão casual, ser tão manipulador. Ela interrompe seu afazer para ajeitar a única peça de roupa que está usando. Por um momento ele se pergunta se não foi um movimento calculado. Estava cansado dos joguinhos dela. Cansado da montanha russa que sua vida tornou-se desde que a conheceu. De sua tática de conseguir o que quer através dos outros. Não seria capaz de confrontá-la. Mas também não podia prosseguir ao seu lado. Ia embora. Naquele instante.

Ela boceja com a graça de uma infante, distraída. Podia estar pensando em roupas e bonecas ou ainda em viagens românticas. Mas ele não acreditava nisso. Iria terminar tudo hoje, a situação já havia tornado-se do insuportável. Ela assopra as unhas pintadas e depois estica as pernas, observando os pés à distância. Inclina o rosto como se tentasse decidir-se. Tempos atrás ele havia tentado expor seu ponto de vista. Mas a tristeza que ele leu nos olhos dela o fez perceber como estava sendo cruel. Ela explicou-lhe todos os fatos e ele sentiu-se constrangido. Havia sido cruel com ela, havia feito-a chorar e sabia que aquelas feridas não sumiriam tão rápido. Agora ele acredita que a culpa de ter acusado-a foi o que ela mais usou para silenciá-lo. Mas ele ia terminar o que começou.

Então ela colocou o esmalte de lado e olhou para ele. Seus olhares demoram-se dialogando algo difícil de definir. Por fim um dos dois agiu. Ela sorriu. Um sorriso completo, cheio de vida. Perfeito. Ele sentiu seu corpo arrepiar-se todo. O coração bateu mais forte e rapidamente suas mãos estavam geladas. Odiava não ter controle sobre seu corpo nesses momentos.

Antes que ela percebesse suas reações involuntárias ele fugiu de seu olhar e buscou articular alguma palavra enquanto tentava levantar-se. Mal havia começado o movimento, a mão dela encontrou seu rosto antes que falasse algo. O carinho foi leve e suave, transformando-se em um afago por seus cabelos, como ela tanto gosta de fazer. Então ele ficou ali, de boca meio aberta, olhando para aquele sorriso estonteante, aquele rosto inocente, sentindo suas mãos macias. E não sabia bem o que pretendia falar, muito menos no que pensava antes. Não havia como esconder sua reação. Com um olhar insinuante ela faz um pequeno ruído pedindo silêncio. Nem era necessário. Tudo nele havia se calado, estava maravilhado. E apesar de uma discreta lágrima rolar por seus olhos nos minutos seguintes, ele sentia-se imensamente bem.

By Doutor Estranho

sexta-feira, abril 04, 2008

Descanso

Paulo seguia pela estrada em uma velocidade permitida. Pelos seus cálculos deveria chegar em Pasárgada em umas duas horas. Estava exausto após passar o dia anterior derrubando as árvores da casa de Dona Magda. Pensava com saudades em seus namoricos que deixava para trás, mas sabia que poderia descansar à vontade. Quando a chuva passou pôde sentir-se mais seguro para acelerar mais. Faltava pouco agora. Então, avistou em frente uma fina coluna de fumaça alcançando o céu. “Deve ser um daqueles chalés rústicos da região”, pensou.

Após uma parada em uma lanchonete para comprar biscoitinhos e água, voltou animado para o carro. Teria o descanso que tanto desejara! Alguns quilômetros à mais e começou a ver casas e chalés, todos com carro na frente. Então, mas a frente estava um grande objeto atravessando a estrada. Freiou aos poucos até conseguir visualizar melhor. Era uma grande árvore. Parou o carro bem em frente a árvore. Saiu do carro e olhou para os lados. Casas ficavam a alguns metros da árvore, todas com um carro estacionado na frente. De uma delas vinha uma animada música e o som de risadas. Aparentemente pessoas dançavam ali, em plena manhã. Do outro lado da estrada uma janela exalava um delicioso sabor de café e torta. Mas ninguém andava pelo gramado repleto de casas com carros na frente. Uma menina se divertia em um balanço preo a uma grande árvore.

- Ei, garotinha! – acenou para a pequena, tirando os óculos escuros. – Vem cá.

- Oi moço – falou timidamente a garota.

- Por que ninguém tirou essa árvore daqui? Pode causar um acidente.

A garota olhou para a árvore como se fosse parte da paisagem.

- Mas ninguém passa por aqui mais. A árvore não deixa.

- Como assim? Basta tira-la do caminho. Preciso ter minhas férias.

Sorrindo, a garota balançou a cabeça. – Não dá moço. Desde que me entendo por gente essa árvore está aí.

- E as pessoas que vem pela estrada como eu? Como elas fazem para passar?

- Ah, elas não passam. Normalmente vêm de férias e ficam por aqui mesmo. – fez um ar pensativo enquanto olhava para Paulo – Na verdade, nunca vi ninguém ir até lá.

Paulo olhou ao redor novamente. Cantavam outra música na casa do outro lado da estrada. Observou melhor a árvore. Ao contrário do que pensava, ela parecia estar ali há bastante tempo. – Você não tem curiosidade de saber o que tem no fim da estrada?

- Hum...não. Já tenho tanta coisa legal para fazer aqui... – e com uma gargalhada gostosa a garotinha voltou correndo para o seu balanço.

Paulo olhou para a estrada por onde veio. Depois deu a volta pela árvore e percebeu que talvez pudesse passar o carro entre os extremos dela e as outras árvores que a cercavam. Mas ao voltar para seu carro sentiu uma chuva fininha cair. Olhou para o céu e viu uma linda aquarela do pôr-do-sol, onde raios de luz misturavam-se com nuvens negras que se confundiam com o cair da noite. As luzes se acenderam dentro das casas e Paulo sentiu o cheiro de um bolinho de chuvas que sua mãe lhe fazia quando era pequeno. – Hum...porque não?

E sorrindo pegou sua mala e trancou o carro, indo em direção a casa onde faziam tortas e café.

By Doutor Estranho